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Novas Políticas

UM BLOG APOIADO PELO INSTITUTO FRANCISCO SÁ CARNEIRO

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Novas Políticas

25
Ago09

Na verdade, um exemplo de péssima intervenção pública

António Nogueira Leite

 

O funcionamento do mercado de arrendamento de habitação constitui um dos melhores exemplos de como uma má ”regulação” do mercado pode provocar efeitos negativos muito para além do que se poderia inicialmente imaginar. Quando, ainda no regime anterior, se decidiu proceder à regulação violenta desse mercado (e também do mercado de arrendamento de espaços comerciais) parece ter presidido ao erro a intenção “caridosa” de salvaguardar os interesses dos mais fracos do poder dos mais fortes. Ou seja, o doutor Salazar entendeu que caberia ao Estado proteger os “pobres” (os inquilinos) condicionando administrativamente a capacidade dos “ricos” (os senhorios) na sua relação comercial com os primeiros.
 
            O doutor Salazar e muitos dos que lhe sucederam esqueceram-se (voluntariamente, ou talvez não) de que não só não se deve promover a redistribuição de rendimentos por via da intervenção administrativa em mercados, havendo outros mecanismos muito mais adequados para o efeito como, por outro lado, não havia equivalência entre as classes de rendimento e a situação concreta dos agentes no mercado em causa. Por outras palavras, havia um número não dispiciendo de inquilinos social e patrimonialmente mais favorecidos do que muitos dos senhorios. Ou seja, e muito simplificadamente, foi desde muito cedo óbvio, para quem quis pensar com seriedade e sensatez, que o objectivo redistributivo (que não o único) da intervenção administrativa estava condenado ao fracasso.
 
            Os resultados são conhecidos: os centros do Porto e de Lisboa estão despovoados e degradados, as gerações subsequentes aos arrendatários originais foram empurradas para as periferias e para a compra de casa (esperando muitos ainda o acesso pleno à condição de proprietários uma vez que, na verdade, têm os seus activos colateralizados junto de instituições de crédito) e, para além das perdas de eficiência geradas, criaram-se enormes distorções e iniquidades, afastando o resultado actual para os antípodas dos caridosos propósitos iniciais.
 
            A série de “atentados à equidade” é surpreendentemente vasta. Note-se, desde logo, que se introduziu um enviezamento no acesso ao mercado que prejudicou gerações subsequentes aos arrendatários originais: enquanto estes, já com os filhos fora de casa, continuavam a ocupar casas demasiadamente grandes para as suas novas necessidades, os seus filhos—e, muitas vezes, os dos senhorios—eram empurados para a periferia. Entre os perdedores também se encontram os senhorios prejudicados pelo congelamento inicial dos preços (distorção nunca corrigida) que acabaram, muitas vezes, numa situação de incapacidade de fazer face às despesas de manutenção dos activos para além da clara falha na perspectiva original de rendimentos que pudessem ter, em particular face ao valor do investimento inicial. Ironicamente, foram obrigados pelo Estado a substituí-lo, subsidiando os inquilinos pobres (que deveriam ter sido protegidos pelo Estado) e os inquilinos ricos (os grandes beneficiários da política social do “caridoso” ditador e dos que sempre temeram alterar a sua política).
 
            Entre os beneficiários líquidos da medida encontram-se os inquilinos “premiados” pelos congelamentos, muitos dos quais nunca deveriam ter sido favorecidos por uma qualquer política redistributiva uma vez que, função do seu rendimento e património deveriam ter sido antes contribuintes líquidos. Fortemente beneficiados também foram toda a turba de “patos bravos” e empreiteiros que promoveram a expansão das grandes cidades para fora do seu centro e que, imagino, não tivessem estado entre as preocupações do legislador original e até de alguns dos que se lhe seguiram.
 
            Estes são apenas alguns dos efeitos redistributivos mais óbvios produzidos por uma das mais estúpidas medidas “engenharia social” alguma vez conduzida em Portugal. Para além deles, surgiram outros “males sociais” claramente evitáveis com governantes mais capazes: o já referido abandono e degradação dos centros urbanos, o pavor urbanístico e arquitéctónico dos nossos subúrbios, o endividamento das gerações mais novas, as restrições à mobilidade. O rol de efeitos nocivos é enorme, só comparável à inércia do legislador em corrigir de facto o erro de base (atente-se, por exemplo, à irrelevância prática da “Lei Cabrita”). Que, pelo menos, sirva de lição, agora que os “engenheiros socias” andam outra vez tão activos.
 
            Pelo contrário, a promoção de uma verdadeira liberalização do mercado, salvaguardando os interesses dos inquilinos necessitados (por via de subsídios ao rendimento, por exemplo) é ponto de partida sem o qual não se requalificarão os centros das grandes cidades, não se repovoará adequadamente Lisboa e Porto e, sobretudo, não se eliminará o absurdo da imposição de uma redistribuição “particular” de rendimentos, tantas vezes iníqua e geradora de uma ainda maior desigualdade.
 
 
 
 
 

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